Lucimar Moreira Bueno(Lucia) - www.lucimarbueno.blogspot.com

segunda-feira, 18 de março de 2013

"Francisco salvará a Igreja" por Padre Marcos Roberto


Se o colégio dos cardeais quis surpreender o mundo com a eleição do cardeal argentino Bergoglio, conseguiu! O 266º sucessor de São Pedro é o primeiro papa latino-americano, o primeiro da Ordem dos Jesuítas, e o primeiro a adotar o nome de Francisco. Ao contrário do que se esperava de um novo João Paulo II, líder carismático, vigor físico e juventude sóbria, midiático e com um discurso forte e disciplinador capaz de sanar as feridas abertas na Igreja..., a escolha caiu para um homem simples, humilde, com hábitos austeros, sensível aos pobres e sofredores, distante dos holofotes da mídia. Um ancião de 76 anos! Realmente a lógica de Deus é diferente da lógica dos homens!

O novo papa agradou o mundo! Diante da humildade e o amor aos pobres não existe discurso que possa falar mais alto que os exemplos de quem os pratica. A vida simples, cultivada na oração e despojamento dos privilégios são suficientes para convencer multidões que a fé da Igreja se vive no amor ao próximo, principalmente aos mais necessitados. 

Mais importante que os discursos teológicos e eminentes escritos sobre a validade da fé em tempos de distanciamento de Deus, a resposta que a Igreja encontrou para enfrentar os desafios neste terceiro milênio foi a eleição de um papa-pastor que reconduza aos princípios básicos do cristianismo: a simplicidade, o despojamento, a oração e o desejo do encontro com o próximo. Uma Igreja mais simples ao rosto do povo!

Eu estava na praça de São Pedro aguardando o anúncio do novo papa. A praça estava repleta de fiéis, em torno de 200 mil pessoas sob uma garoa fina e o frio do inverno romano. Às 19h10 o sinal foi dado através de uma chaminé instalada no teto da capela Sistina – já temos um papa! A multidão dos fiéis se emociona com o repicar dos sinos da basílica de São Pedro. 

As corporações da guarda suíça e do governo italiano se posicionam abaixo do balcão da basílica com hinos jubilosos dignos de um grande acontecimento. O povo canta, reza e aplaude! O momento era de profunda atenção e emoção. Às 20h20 as portas do balcão da basílica se abrem, e um silêncio absoluto toma conta da praça. 

O protodiácono anuncia em bom tom: “Annuntio vobis gaudium magnum. Habemus Papam: Eminetissimum ac reverendissimum Dominum, Georgium Marium. Sanctae Romanae Ecclesiae Cardinalem Bergoglio. Qui sibi nome imposuit Francescum”. Mais uma vez a multidão aplaude! 
O novo papa chegou ao balcão para a benção Urbi et Orbi. O momento era histórico! Suas primeiras palavras logo encontraram simpatia com o povo. 

Começou o seu discurso, simplesmente, rezando o Pai-Nosso e a Ave-Maria. Orações simples, onde todos sabem e rezam diariamente. Depois se inclinou diante do Povo de Deus ali presente e pediu que, antes de dar a bênção pontifícia, que recebesse a bênção do povo. E, por fim, confiou seu ministério sob a proteção de Nossa Senhora. Foi maravilhoso esse momento! Um papa que se inclina para o seu povo e pede a sua bênção. Os cardeais escolheram como pastor da Igreja universal um papa que é do jeito do povo! 

Sua voz transmitia um desejo sincero, um ardor pelo Evangelho e amor à Igreja. Não eram palavras decoradas, ou um discurso preparado por algum assessor. Eram palavras que brotavam da sua fé. Palavras simples, fáceis de entender como são as palavras de Jesus nos Evangelhos. Era a sinceridade da espontaneidade! Um papa tímido diante dos holofotes midiáticos, mas muito próximo da multidão na praça de São Pedro!

A pergunta que paira em nossas mentes é o significado do pontificado do papa Francisco. Foram tantos os sinais que se apresentaram nesta primeira aparição pública que é impossível não querer identificar alguns passos que a Igreja pretende percorrer pelos próximos anos. O fato de ser idoso, latino americano, jesuíta e adotar o nome de Francisco, assinala algum projeto inovador na vida da Igreja. Por trás dos gestos visíveis escondem-se os propósitos e as intenções. Na história não existe o acaso!

Primeiramente, a Igreja entra, definitivamente, no novo milênio com um papa velho. Os cardeais apostam no modelo do ancião sábio, aquele que tem o “selo de segurança comprovada” pela idade contra as adversidades que abatem sobre os telhados da Igreja. O risco de um papa muito jovem aumentaria as tensões entre as diversas correntes de pensamento no interior da Igreja. A sua energia e vigor por inovações poderiam provocar mais intrigas que propriamente unidade no interior da Igreja. 

O novo sempre indispõe e provoca certo medo àqueles que estão à volta. Enquanto o papa idoso espera-se a mudança a partir de sua sabedoria longamente vivida e comprovada. O novo papa tem esta sabedoria de pastor dedicado aos pobres, fiel ao ensinamento da Igreja e a docilidade do trato humano. São atributos que, ao contrário de dividir, mantêm a unidade na humilde sabedoria.

Outro sinal importante é a nacionalidade do papa. Mais importante que ser argentino, a investida dos cardeais está em apresentar um papa da América Latina, o continente com o maior número de católicos no mundo. Embora a América Latina seja um continente majoritariamente católico e fundado na cultura católica, é visível aos quatro cantos destas terras a crescente perda do número de fiéis para os protestantes neopentecostais. 

O fenômeno da teologia da prosperidade arrematou fileiras do catolicismo em toda a América Latina, tornando-se a principal preocupação das autoridades eclesiásticas. Isso representa que a Igreja está diminuindo, progressivamente, a sua presença na vida social do continente da esperança. O fato do papa ser latino americano assinala que a América entra como prioridade nas preocupações da Igreja universal. Além dos mais, a Igreja na Europa encontra-se em profunda crise espiritual. 

A escolha de um papa latino é o reconhecimento que a América Latina, apesar de seus problemas, tem uma proposta evangelizadora eficaz que poderá responder aos anseios europeus!

Outro aspecto importante é a sua formação jesuíta. É o primeiro papa oriundo desta importante ordem religiosa – Companhia de Jesus. Os jesuítas desde sua fundação em 1534 tornaram-se o braço direito do papado em situações complexas decorrentes dos novos tempos da modernidade. Tempos difíceis não diferentes de hoje! 

O concílio de Trento (1545-1563) foi a inspiração missionária para os jesuítas alavancarem a evangelização na América hispanica-lusitana a partir do século XVI. Na Europa eles enfrentaram as controvérsias da reforma protestante. Também foram responsáveis pela evangelização da Ásia, principalmente a China e o Japão. Os jesuítas foram os grandes intelectuais da Igreja no combate ao pensamento liberal da revolução francesa e das investidas comunistas. 

A Ordem se transformou numa poderosa congregação, a serviço do papa, no envio imediato de missionários para qualquer parte do mundo. Tornaram-se influentes no mundo da política, e formadores de consciências através de uma pedagogia de formação humana em seus inúmeros colégios espalhados pelo mundo. Eram referencias no campo da “missão” e na produção de “conhecimentos”. Estas duas dimensões estão muito presentes na vida jesuíta. Quem é jesuíta é missionário ou intelectual, e o mundo é sua terra de missão! 

Não seria absurdo esperar do novo papa a retomada de uma Igreja missionária!

Por fim, o mais surpreendente do novo papa é o seu nome – Francisco. Quem é este Francisco? Poderia ser Francisco Xavier, um dos fundadores da ordem jesuítica, juntamente com Inácio de Loyola, contudo para a surpresa, e alegria da Igreja, o seu nome é uma homenagem ao irmão universal, Francisco de Assis. O homem que foi capaz de renunciar suas riquezas em favor dos pobres dos pobres! 

Viveu a pobreza extrema e apresentou o Evangelho como a única regra de vida. Francisco de Assis (1182-1226) viveu num momento da história pelo qual a Igreja buscava construir um projeto de cristandade que dava a ela o poder de governar a sociedade em nome de Deus. Uma verdadeira teocracia onde o poder temporal e o poder espiritual convergiam na autoridade absoluta da Igreja. 

Eram os tempos das cruzadas e das conquistas pela força da espada – séculos de ferro. Diante de tamanha pretensão eclesiástica Francisco se apresentou humildemente ao papa Inocêncio III (1198-1216) com o sincero desejo de reconstruir a Igreja, de fazê-la retomar àquilo que era sua essencial missão – o Evangelho de Jesus Cristo. 

O grande poeta italiano Dante Aligheri, no século XIII, assim o chamou de “a luz que brilhou sobre o mundo”, pois sua convicção de amor ao pobre arrastou multidões de jovens, principalmente da aristocracia europeia, em um ideal de vida cristã que salvou a Igreja das mazelas da idade média. De fato, a falência desta teocracia eclesiástica assolou a Igreja numa crise espiritual e sentido da fé que se arrastou por quase três séculos até o advento do concílio de Trento. 

A urgência por reformas na hierarquia eclesiástica, principalmente no alto clero – papas, cardeais e bispos – somente foi possível com movimentos religiosos a exemplo do franciscanismo e da “devoção moderna”. Francisco, com sua humildade e amor aos pobres, sustentou a fé do povo por séculos e salvou a Igreja da decadência espiritual. 

Todos estes sinais no papa Francisco nos indicam o caminho que a Igreja deve seguir: a prudência dos sábios anciãos, o contributo da Igreja latino-americana para a evangelização do mundo, a expressão da missão e a caridade extrema de Francisco de Assis. Uma Igreja prudente, aberta às culturas, missionária e pobre. 

O papa Francisco conseguiu transmitir ao mundo, em apenas alguns minutos, na sua primeira aparição pública, o desejo do papa Bento XVI, quando, por ocasião da abertura do Ano da Fé (11.10.2012), proferiu em sua homilia a necessidade de “redescobrir a alegria de crer”. Parece-me que a novidade do novo papa transmite a alegria de ser cristão, de viver a fé, de enfrentar os desafios da evangelização. 

Francisco rapidamente ganhou o coração dos padres, bispos e o povo em geral porque transmitiu confiança a todos. Dirigiu-se ao povo como servidor, falou uma linguagem simples, rezou, agradeceu, exortou à comunhão, à fé e a proximidade espiritual. Todos se sentiram próximos do papa. Era isso que faltava aos pastores da Igreja, sentir-se próximo das preocupações do papa. 

Saber que existe em sua cabeça as mesmas preocupações de tantos párocos e bispos dedicados em suas paróquias e dioceses diante dos infinitos problemas da evangelização. Os jovens precisam sentir que o papa é um homem de fé, que diante da arrogância do mundo se coloca como servidor de todos. No interior da Igreja existem muitas incertezas do futuro da fé, da falta de direção e da segurança do ato de crer. Os ataques midiáticos que a Igreja sofreu nestes últimos anos abalaram profundamente os alicerces sólidos e seguros da instituição.

Muitos discursos eclesiásticos tornaram-se insossos, palavras que se perdem ao vento, sem efeito, sem transformação, para não dizer superficiais e vazios de alteridade e encontro com Deus. A renúncia de Bento XVI, por mais que reconheçamos ser um ato de coragem e humildade de pastor desapegado do poder, não deixou de sinalizar, profundos problemas internos na vida eclesiástica. 

Ninguém renuncia sem motivações sérias! A justificativa pela falta de forças e vigor físico de Bento XVI são motivações humanas compreensíveis e válidas para entender seu gesto profético, mas revelam também profundas dilacerações no seio do catolicismo. 

Todos estes eventos estão purificando a Igreja, fazendo-a tomar consciência que os tempos são diferentes de outrora. Que ela precisa encontrar o seu lugar no mundo não com a força dos seus discursos, mas com a simplicidade de seus gestos, sobretudo em transformar a Igreja numa comunidade de irmãos e irmãs batizados em favor do bem comum, principalmente dos mais pobres. E o papa se tornou o primeiro a fazer isso. Nisto seremos reconhecidos como Igreja de Cristo que professa a fé em seu Mestre Jesus.

Por fim, os poucos gestos do papa Francisco indicam o que será seu pontificado. Ele será um irmão com todos os outros irmãos a exemplo de Francisco de Assis. Acredito piamente que o Espírito Santo de Deus sabe conduzir sua Igreja, e Ele escolheu um sábio ancião, latino americano, missionário e simples como os pobres. Francisco de Assis novamente salvará a Igreja neste terceiro milênio!


Pe. Marcos Roberto Almeida dos Santos
Pertence ao presbitério da Arquidiocese de Maringá, e 
atualmente cursa mestrado em história da Igreja em Roma.
mralmeidas@yahoo.com.br