Mauro Santayana
A insuspeita Fundação Gates divulgou interessante
estudo sobre o controle dos preços dos alimentos pelos bancos, por intermédio
dos fundos especulativos (hedge). Da mesma forma que os bancos atuam no mercado
derivativo com as primes do mercado imobiliário, fazem-no com os estoques de alimentos, o que aumenta
espantosamente os preços da comida, sem que os produtores se beneficiem. Um
exemplo, citado pelo estudo, que tem o título sugestivo de People die from hunger
while banks make a killing on food — as pessoas morrem de fome, enquanto os bancos se enriquecem de repente,
especulando com os alimentos.
Como exemplo, o estudo cita o Fundo
Armajaro, da Grã-Bretanha, que comprou 240 mil toneladas de cacau (7% da
produção mundial) e as reteve até obter o maior preço da mercadoria nos
últimos 33 anos. “Os preços do trigo, do milho e do arroz
têm subido significativamente, mas isso nada tem a ver com os níveis de estoque
ou das colheitas e, sim, com os traders, que controlam as informações e especulam no
mercado” — conforme Olivier de Schutter, relator das Nações Unidas sobre o
Direito à Alimentação.
Os neoliberais sempre usam o argumento
canalha de que o único caminho rumo ao enriquecimento geral e à igualdade é a
do mercado sem nenhum controle do
Estado, dentro da fórmula de Mme. Thatcher: o pobre que quiser viver melhor,
que se vire. A senhora Francine Mestrum, em
seu estudo, contradiz a falácia: “Em primeiro lugar, a transferência direta
de recursos, que Lula iniciou no Brasil, provou ser efetiva ajuda direta aos
extremamente pobres para irem adiante, em busca de empregos; ou para criarem seu
próprio emprego; para melhorarem os padrões de saúde e reduzir o trabalho
infantil. Este é o principal argumento para o desenvolvimento desses sistemas,
e o próprio Banco Mundial os endossa”.
Como sabemos, são vários os países em
desenvolvimento que adotaram iniciativas semelhantes. Enquanto a Alemanha obriga os países
europeus a cortarem até o osso seus orçamentos sociais — deixando como saldo o aumento espantoso do número de suicídios ou
das pessoas mortas por falta de assistência médica do Estado e, a cada dia, mais trabalhadores obrigados a buscar,
na lata de lixo, o que comer — os bancos continuam acumulando, e
de forma
criminosa, dinheiro e poder como nunca. O
HSBC mundial, que ganhou do governo FHC o Banco Bamerindus, e que tem no
Brasil
o seu terceiro mercado mais lucrativo do mundo, teve que pagar quase 2
bilhões de dólares de multa, em acordo feito com o governo
norte-americano, por
ter, comprovadamente, lavado dinheiro do tráfico de drogas. Como se
sabe, mesmo
depois de ter pedido desculpas públicas pelo crime, o HSBC foi acusado,
em
março deste ano, de lavagem de dinheiro, evasão fiscal e remessa ilegal
de recursos
ao exterior pelas autoridades do governo argentino. Enquanto menos de um
por cento dos seres
humanos controlar, mediante sua riqueza, toda a população do mundo, a
igualdade irá sendo empurrada cada vez mais para o futuro, e serão
considerados
nutridos os que ganharem cinco reais ao dia.
Em 1973, quando o Muro de Berlim
ainda dividia o mundo em dois blocos econômicos e políticos, o então presidente
do Banco Mundial, Robert McNamara, disse que todas as nações deviam esforçar-se
para acabar com a pobreza absoluta — que só existia nos países subdesenvolvidos — antes do novo milênio. Naquele momento os países ocidentais ainda davam
alguma importância à política de bem-estar social, não só como um alento à
esperança de paz dos povos mas, também, como uma espécie de dique de contenção
contra o avanço do socialismo nos países do Terceiro Mundo. A Guerra do Vietnã, com seu resultado desastroso para os Estados
Unidos, levou Washington a simular sua boa vontade para com os povos pobres.
Daí o pronunciamento de McNamara.
O novo milênio não trouxe o fim da miséria absoluta, embora tivesse havido
sensível redução — mais em consequência do desenvolvimento tecnológico, com o
aumento da produtividade de alimentos e bens de consumo primário, do que pela vontade
política dos governos.
Na passagem do século, marcada pelo
desabamento das Torres Gêmeas, o FMI, o Banco Mundial — e a própria ONU — reduziram suas expectativas, prevendo, para 2015, a redução da pobreza
absoluta à metade dos índices registrados em 1990. Em termos gerais, essa meta foi atingida
cinco anos antes, em 2010. A
extrema pobreza, que atingia 41,7% da população mundial em 90, caiu para 22% em
2008 — graças à fantástica contribuição da China e da Índia, conforme adverte Francine
Mestrum, socióloga belga, em recente estudo sobre o tema.
Por outro lado, o número absoluto de
pobres na África Negra dobrou no mesmo período. A China que, pelo número dos
beneficiados, puxou o trem contra a desigualdade, já chegou a um ponto de
saturação. Com o seu crescimento reduzido, como se espera, a China levará
muitos decênios para baixar o número de seus pobres absolutos à metade.
Considera-se alguém absolutamente
pobre quando tem a renda per capita inferior a US$ 1,25 por dia: mais
ou menos R$ 2,50, ou seja, 75 reais ao mês. Esse critério é, no mínimo, cínico.
É possível viver com esse dinheiro? Há quem possa: os trabalhadores das
multinacionais nas tecelagens e confecções de Bangladesh e de outros países da
Ásia do Sul não chegam a ganhar cinco reais ao dia.
O governo de Bangladesh, em seu
portal, declara ser o país “de portas abertas“ (open door), com todas as garantias
e vantagens legais aos investidores, principalmente nas zonas especiais de
produção para exportação (Export processing zones). Em Bangladesh a privatização de empresas públicas chegou
à perfeição, e a miséria dos trabalhadores, também — conforme a meta do
neoliberalismo.
Só
há uma saída para o impasse: a mobilização política dos cidadãos de cada país
do mundo, em uma organização partidária e ideológica nítida em seus princípios
e objetivos e em sua ação coerente, a fim de colocar coleiras nos banqueiros. E
será sempre salutar ver um banqueiro na cadeia, como está ocorrendo, menos do
que é necessário, nos Estados Unidos.